terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Ônix

O silêncio tomava conta daquela parte da floresta. Abaixo das árvores, onde Duran caminhava, encontrava-se o dragão negro em um profundo sono. Os olhos vermelhos do jovem contavam as calmas respirações do monstro, seus passos silenciosos escolhiam o melhor lugar dos galhos para descida, a mão segurava com força o punhal de pedra. Duran respirou ao encontrar o lugar certo, porém, algo ribombou como um trovão vindo de baixo, fazendo as aves alçarem vôo:
- Não é assim que vai me matar, fedelho! Guarde a arma e desça!
- Não sou fedelho! - Duran respondia, logo após uma descida de frente aos olhos do dragão, agora abertos , vermelhos como do próprio Duran. - Vou te matar monstro, e será hoje!
- Por que me matarias? Por causa desse pequeno tesouro?
O dragão se colocando sobre as patas, simulando o que parecia um sorriso em sua boca negra como a morte, ergueu levemente a asa direita e olhou para o que era guardado embaixo dela. Uma pequena fortuna. Um monte de moedas, vários livros antigos, algumas espadas recheadas de pedras preciosas e um cajado de carvalho com uma pedra negra encrustada.
- O maior tesouro é o conhecimento e esse já é seu, estúpido. Deixei que lesse todos esses livros, ou já se esqueceu?
Apesar das palavras fortes os olhos ou a voz do monstro não mudavam de tom, sequer demonstravam raiva. Assim também eram os atos de Duran, que respondeu:
- Deixou que estudaste? Você me forçou a estudar, dia e noite. Mesmo doente e com os membros quebrados eu era forçado a estudar. Membros que você mesmo havia quebrado enquanto me ensinava a lutar, ou devo dizer, me surrava? Até seu maldito nome tenho que carregar Yoran, dragão da escuridão. Cansei-me de ser seu escravo. Lute!
Yoran olhava atentamente o jovem, a sua criação. Após uma luta que lhe rendeu uma bela cicatriz na pata ele descobriu que o homem que o desafiou, 16 anos atrás, carregava uma criança escondida na carroça que trazia o tesouro. "Eis aqui o tesouro de um rei", o homem havia lhe falado sem saber do menino.
O menino de uns três anos foi acolhido por Yoran que jurou a si mesmo criar um homem superior aos homens. Um guerreiro que não tivesse sentimentos. E assim o fez, ele sabia. Duran era capaz de dominar qualquer ser, planta ou animal, para usá-lo como meio numa conquista. Porém, um sentimento o grande dragão não conseguiu apagar da mente do menino: a dúvida.
Agora o menino já homem o encarava, com um punhal de pedra em mãos, e uma armadura feita de lama e pedras. Seria a última vez que eles se veriam, ele sabia.
- Se é lutar que mais deseja, vamos lutar. Mas antes tenho que te contar algo.
- Então fale e prepare-se para morrer.
- Tolo! Para começar vou deixar a luta mais justa - o dragão disse transformando-se em sua forma humana, um negro de quase dois metros de altura e olhos vermelhos - não quero que penses, em seu leito de morte, que te venci pela minha forma.
Yoran olhou para o seu tesouro e ao erguer a mão o cajado com o ônix encrustado voou para ele.
- Essa, Duran, será minha arma. Com ela, derrotei seu pai. - dizia calmamente esperando que o jovem tremesse ou perdesse a coragam. Ao ver inútil a tentativa, continuou - Aqui tenho um tesouro de um rei, ele será seu se me derrotares. Pode juntá-lo e ir para leste, de onde seu pai veio, ou outro lugar qualquer, depende de você. Agora, pode vir!
Os dois atacaram ao mesmo tempo, madeira e pedra se chocaram no ar, mas a madeira com uma força incomunal empurrou Duran para o lado. Mas ele já conhecia a força fantástica do seu mentor mesmo naquela forma, e não seria pela força que venceria. Eles se olhavam. Num rápido movimento Duran pegou em sua cintura, numa bolsinha de couro, várias sementes e foi jogando no chão.
- Não é hora de semear a terra garoto. Vamos, me ataque! Será que já desistiu?
- Ainda não - Duran disse olhando para trás do adversário.
Yoran notou e logo ligou o olhar ao lobo branco chamado Três, amigo inseparável de Duran, que estranhamente não havia aparecido ainda pra ajudar o menino.
- Será que não te ensinei direito garoto? Não deves confiar a outros seu destino.
- Agora! - Duran gritou!
Nesse momento algo correu para morte ao lado da perna de Yoran. Ele apenas não esperava que fosse um esquilo o que seu cajado amassara. No mesmo momento o dragão sentiu que seu tornozelo direito foi estraçalado por a mordida de Três. Também não esperava que seu tornozelo esquerdo fosse reduzido a um monte de carne na boca de um lobo negro.
- Não lembro se te apresentei Yoran. Este, é Quatro, o lobo negro. E agora Rushinan...
Ao falar o último nome os lobos soltaram os tornozelos. Yoran se apoiou sem força contra o cajado e novamente um sorriso surgiu em seu rosto.
- Pelo visto seus poderes de druida cresceram, não sabia que já conseguia dominar dois lobos ao mesmo tempo. Ficou mais forte que seu pai, não precisei fazer com ele isso
Em um segundo apenas o dragão girou a ônix da ponta do cajado retirando com ela um enorme espada de dentro da madeira. Duran olhou incrédulo enquanto a lâmina descia num movimento rápido contra seu ombro, destruindo a armadura de lama e o jogando no chão.
O dragão olhou assustado, com aquele golpe qualquer mortal morreria, a menos que...
- Finalmente vou poder tirar essa lama de cima de mim - Duran se levantava tirando a lama de cima do ombro esquerdo, revelando a cor do metal.
- Seu ladrãozinho. Você roubou meu tesouro debaixo dos meus olhos. - o dragão esforçava-se para não demonstrar sua raiva, nem seu orgulho pelo menino ter sido tão esperto - apenas a malha de amantita seria capaz de aparar esse golpe. Não importa, agora vais morrer.
Mas não houve tempo, plantas abriram o solo e se movimentaram como grandes tentáculos em velocidade fantástica. Prenderam os pés e mãos do dragão enquanto socavam seu abdômen. A lâmina com a ônix caiu aos pés de Duran.
- Eu lhe avisei que queria apresentar Rushinan, mas você não quis esperar - disse Duran enquanto pegava a arma e enfincava contra o peito do dragão sem piedade - agora, morra!
Duran tirou a espada de forma rápida, e Rushinan soltou o dragão, já sem forças para o combate, mas com forças para dizer:
- Milhares de homens fortes tentaram vencer um dragão, pouquissimos conseguiram, e ainda assim foi o maior feito de toda sua vida. Você acaba de me vencer - uma lágrima corria pelos olhos do homem-dragão - É uma pena não poder ver o resto da sua história.
O jovem druida não conseguia entender por que o dragão chorava, também não entendia aquilo apertava seu peito e dava um nó em sua garganta, mas ele se controlou e viu os últimos momentos de Yoran, o dragão da escuridão.
Ele fez com que Rushinan enterrasse o tesouro deixando apenas o cajado e algumas moedas de ouro. Depois caminhou até um dos longos tentáculos espinhentos e apertou um espinho com a palma da mão:
- Serviste bem Rushinan, pode descansar.
Ao tirar a mão seu sangue cobria o espinho. Dali surgiu uma grande flor vermelha, que se transformou em fruto e secou, assim como todo resto da planta. Duran pegou o fruto seco e o abriu. Haviam diversas de sementes, que ele pegou e recolocou na bolsa de couro que carregava no cinto.
Naquela noite Duran enterrou Yoran numa cova cavada por ele mesmo. Pegando do seu mentor apenas sua manta para cobrir o corpo. Os dois lobos o acompanhavam, Três e Quatro, e o cajado da ônix ao seu lado.
Agora Duran começaria seu caminho, e agora surgia uma dúvida: Qual era o seu caminho?